PARA O JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Estória escrita para José Luís Peixoto- 04/04/2011
TODAS AS LETRAS….E MAIS ALGUMAS!
Chegou a hora e o tempo de revelar a verdade! Porque há um tempo para tudo! A primavera chegou no equinócio correspondente, as andorinhas e outras aves migratórias regressam, as flores florescem, o sol fica mais quente e beija a terra. Sem “Nenhum Olhar”, os humanos sentem-se inebriados de cheiros e brisas e atrevem-se a sacudir emoções para fora da cabeça e coração e tentam perceber os insondáveis mistérios das mentiras, do faz-de-conta e das PALAVRAS….
TODAS AS LETRAS….E MAIS ALGUMAS!
Chegou a hora e o tempo de revelar a verdade! Porque há um tempo para tudo! A primavera chegou no equinócio correspondente, as andorinhas e outras aves migratórias regressam, as flores florescem, o sol fica mais quente e beija a terra. Sem “Nenhum Olhar”, os humanos sentem-se inebriados de cheiros e brisas e atrevem-se a sacudir emoções para fora da cabeça e coração e tentam perceber os insondáveis mistérios das mentiras, do faz-de-conta e das PALAVRAS….
Esta estória é sobre letras e palavras.
Um dia, nasceram 150 milhões de letras, aglutinadas em palavras. Depois separaram-se, diferentes, clones, rabugentas ou mais doces; mas nasceram TODAS juntas! Eram tantas que resolveram construir-se em enigmas, aglutinar-se num corpo, num ser, que ainda hoje perseguem.
Esse ser, na altura, pequenino, não percebia e entrou em pânico! De repente, começou a reparar que atrás dele, de lado, a subirem-lhe pelo corpo acima, ao seu redor, saltitavam letras, umas juntas, outras que formavam palavras pequeninas como ‘amor’, ‘sol’, ‘psiu!’, ‘olá, ‘pai’, ‘tio’, ‘cal’. Outras armavam-se em importantes e formavam palavras difíceis que o menino, no momento, não percebia: ‘amizade’, ‘emigração’, ‘tolerância’, ‘escuridão’, ‘morte’, ‘nenhum’, ‘música’, ‘afinador’, cemitério’, , ‘pianos’, ‘fronteira’, ‘exploração’, ‘fome’, ‘morreste-me’.
O menino não sabia que fazer, desesperava, sempre rodeado de letras, implicativas, rabugentas, ou meiguinhas, mas que só ele via! Como livrar-se de tal castigo?
Pensava: ‘Será que isto me aconteceu porque fui aos ninhos?’,’Porque rebolei na relva?’, ‘Porque me demorei a ver um pôr-do-sol e cheguei atrasado ao jantar?’
E lá andava o menino, e as letras sempre à sua volta, perseguindo-o como uma sombra, em todas as direções e sentidos.
O menino foi crescendo sem contar a ninguém.
Quem acreditaria nele? Responderiam que as letras estavam num sítio chamado Abecedário, formavam palavras que todos falavam, gastavam e pronto! PONTO FINAL!
Até que um dia, assim de repente, lhe surgiu uma ideia.
Resolveu ser ele a perseguir as letras, castigá-las e aprisioná-las, tornar-se dono delas e ia fazer-lhe tantas maldades, que havia de se libertar daquele tormento.
Arranjou umas «caixas» e começou a metê-las lá dentro. Com as letras que mais lhe agradavam e menos o chateavam começou a formar palavras, depois frases que juntou em parágrafos, em capítulos, dando gargalhadas de prazer de cada vez que se livrava de umas quantas que o perseguiam (chegavam a subir-lhe pelas pernas acima, até à cabeça, não tinha graça nenhuma….).
Ah!, maravilha, a ideia resultou!
Para a vingança ser melhor, juntou as letrinhas a partir de factos (observados e depois compostos com letras e palavras que refilavam por estarem lá) e foram aparecendo estórias bem arrumadinhas nas caixinhas que o menino-adulto agora possuía. Ia vencendo as batalhas das “Casas na Escuridão”, da “Cal ”branca e da ‘Febre Amarela’, dos ‘Pianos em cemitérios’, de ‘mortas que o habitavam’, socorria-se de ‘Estragão’ e ‘Vlademiro’ quando ficava triste e desesperado.
Mas na sublimação da tristeza transformada em alegria, ou vice-versa, deparou-se-lhe um conjunto de letras, órfãs, que não tinham lugar nem caixa que lhe conviessem. De novo o atormentaram. Perseguiam-no como quando era menino….
Porém, não levaram a melhor. De novo o desafio foi ganho, inventou novo castigo, formou palavras e frases novas, inéditas. Depois levou-as para um caminho incerto, desconhecido e mandou-as governar a vida. Arranjou-lhes transporte e não as quis. Eram demasiadas a persegui-lo. Falou-lhes no assunto e, para seu espanto, aceitaram a ideia. Iriam ficar guardadas em caixas de outras terras, de outras gentes, iriam embora, governariam a sua vida, mesmo não sabendo a quem perseguir, como juntar-se para formar palavras, frases, capítulos. Mas…lá se haviam de arranjar.
Ele arranjaria uma “Gaveta de Papéis” e ficaria sentado numa fonte, à espera que um pedreiro acabasse umas obras e o viesse buscar e que a mãe não se esquecesse dele e chegasse bem depressa porque estava a ficar com frio. Além disso, ainda tinha 150 milhões de letras para guardar numa caixa: o “Livro”.
E este menino, um dia, transformado em QUETZAL e sem nenhum “Antídoto”, também seguirá outro caminho e subirá ao céu sob a forma de Estrela da Manhã.
Maria dos Anjos Fernandes
Maria dos Anjos Fernandes